Um espaço para falar do luto pelos animais de estimação

Dayanne Dockhorn
4 min readJul 31, 2024

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Artista: Schinako

Recebi a mensagem de voz pela manhã. Depois de uma noite em claro esperando notícias, já previa o que a veterinária — entre longas pausas — diria.

A mensagem relatava que a noite anterior tinha sido difícil para Floqui. Já na madrugada o quadro evoluiu rapidamente para uma parada cardíaca. A equipe havia tentado reanimá-la, mas…

Quando ela termina a frase, sinto o coração acelerar, mas afirmo a mim mesma que não pode ser verdade. Floqui está se recuperando, logo voltará para casa. O choque inicial e a negação, das quais tanto ouvimos falar, são minhas primeiras reações.

Algumas horas depois, a caminho do hospital veterinário, escrevo uma carta a Floqui com os olhos embaçados e um pesar enorme no corpo todo. Essa primeira carta foi seguida de várias outras que tentavam, em esforços um pouco tímidos, conceber um espaço seguro para falarmos abertamente sobre o luto pelos nossos animais de estimação.

Foi logo nos primeiros dias do luto que entendi: o próprio ato de perder um animal implica um pesar contido e escondido. Hoje, meses depois, vejo como me faltaram referências de pessoas que passaram por situações similares.

Da morte e do pesar

Sempre que trago o assunto à tona, noto certo desconforto. Ao que tudo indica, falar da morte e de um luto pouco reconhecido socialmente, como eu estive fazendo, não é recomendável ou mesmo admissível.

Também vale lembrar que, atualmente, existe pouco ou nenhum espaço para falarmos sobre a morte, visto que

nossa sociedade inibe a expressão de sentimentos de pesar e os trata como manifestações de fraqueza. E, embora se reconheça que os rituais são importantes para a reorganização psíquica e emocional, eles se tornaram rápidos e ocultos (Vieira, 2019).

Porém, sabe-se que a dor pela perda de um animal de estimação é uma experiência complexa e significativa, muitas vezes comparável ao luto humano (Cleary et al., 2021). E, ainda, não são raras as vezes em que os tutores enlutados enfrentam dificuldades devido ao suporte e compreensão limitados de outras pessoas.

O vínculo que criamos com os animais

Não é segredo que muitos tutores criam fortes laços de afeto com seus animais de companhia, assim como eu criei com Floqui.

Parece haver um consenso entre os pesquisadores sobre a natureza do vínculo criado entre pet e ser humano: ele é semelhante ao vínculo entre duas pessoas, já que propicia a mesma sorte de sentimentos — segurança, afeto e bem-estar.

O nosso apego aos animais de companhia foi abordado em algumas pesquisas realizadas nas últimas décadas (Archer, 1997; Martins et al., 2013). Já outras deram conta dos benefícios que o vínculo humano-animal proporciona à nossa saúde (Giumelli; Santos, 2016).

Nos casos em que o animal é visto e tratado como um familiar querido, perder o vínculo “se torna uma experiência emocionalmente intensa” (Vieira, 2019). Vivenciar o luto é fundamental para que a pessoa consiga se reestruturar a partir da ausência daquele que partiu.

O luto não reconhecido

Em um artigo publicado na Psicologia em Revista, a psicóloga Márcia Vieira (2019) discute o processo de enfrentamento do luto vivenciado pelos tutores. Para ela, o luto da perda de um animal de estimação e o luto da perda de uma pessoa significativa são distintos, isso porque

socialmente o luto por um animal de estimação não é visto da mesma forma. Não existe o mesmo apoio — por exemplo, a maior parte dos empregadores não nos pergunta se precisamos de tirar uns dias para recuperar e os nossos familiares e amigos nem sempre se mostram disponíveis para nos compreender.

Embora a nossa rotina e realidade diária tenha que ser rearranjada e re-significada para fazer caber a ausência dos pets que partiram, frequentemente a perda de um animal é considerada de menor importância quando comparada a outras perdas. Isso gera uma experiência de luto não-validada, cujo enfrentamento os tutores devem fazer às escondidas, de forma isolada e solitária.

O que dizem os tutores?

A pesquisa realizada por Vieira (2019) entrevistou tutores acerca do processo de luto pela morte dos seus cães. Por meio dos dados qualitativos coletados, sabemos que:

  • A ausência dos cães deixou um vazio significativo na rotina e na vida emocional das pessoas e algumas delas optaram por adotar outros animais.
  • Os tutores experimentaram uma variedade de emoções após a morte de seus cães, incluindo choque, tristeza, raiva, culpa, desespero e alívio. A maioria dos entrevistados relatou perda de apetite, uso de álcool e medicamentos para lidar com a dor do pesar, além de sentimentos de isolamento e esperança de que o animal retornasse.
  • Muitos entrevistados sentiram que não podiam expressar plenamente sua dor devido à falta de compreensão e apoio de outras pessoas.
  • Alguns realizaram rituais de adeus para seus cães, o que auxiliou no reconhecimento social do luto.

Quando a questão do luto pet é levada para o espaço online, noto que sempre há uma enorme quantidade de depoimentos de pessoas que perderam seus animais e não encontraram o espaço adequado para falar sobre isso.

Numa thread que fiz recentemente, suscitei a pergunta para os tutores: como foi o seu processo de luto?

Abaixo você encontra mais de 20 respostas.

https://www.threads.net/@dayannedockhorn/post/C-AY_kVOGHY?xmt=AQGz7Yx23nbW6nGD370RAUgNMJmZju7JJUNWiZuLuk3CfQ
Acesse a thread

Vivendo com a ausência

A vida sem Floqui ficou mais fácil a partir da escrita das cartas que mencionei no começo desse texto. Essas cartas acabaram se tornando um livro, chamado Pequenas Ausências, que será lançado em breve e trata do meu processo de luto.

Se inscreva na minha newsletter e me siga nas redes para ser avisado quando o livro for lançado! As referências serão publicadas em um comentário nesse mesmo artigo.

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Dayanne Dockhorn

ruim com as palavras. me escreva: dayannedockhorn@gmail.com me encontre nas redes: @dayannedockhorn