Os laços que formamos com os animais de estimação

Dayanne Dockhorn
4 min readAug 21, 2024

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O ano era 2020 e Martín me disse que queria um coelho.

Já havíamos considerado adotar um filhote de gato órfão e um cão de raça abandonado na terceira idade, mas a história do coelho era novidade para mim.

Eu nunca tinha considerado coelhos como opção quando pensava em adotar um animal de companhia, mas, em questão de dias, Martín havia se apaixonado por pequenas criaturas orelhudas de quatro patas.

Consistente em seus esforços de me persuadir, ele gastou horas lendo sobre a espécie, aproveitando os momentos das refeições para me contar suas descobertas na mesa da cozinha. Eles podem ser treinados a usar o banheiro, ele me dizia, e uma garfada. São silenciosos e independentes, e outra garfada. São muito carinhosos, e então seus olhos brilhavam com esperança na minha direção.

Aceitei que eles eram, sim, animais carismáticos e, por que não, fofos demais, e não dei corda ao assunto.

Eu — que tinha começado o tratamento para transtorno depressivo no início do ano — definitivamente não estava inclinada a adotar um animal de estimação. Na época, a interrupção da nossa viagem como nômades e a urgência de encontrar um novo modo de viver — um endereço fixo — tinha sugado todas as minhas capacidades adaptativas. Meses depois de ter assinado um contrato de aluguel anual, eu ainda tinha dificuldade de me comprometer a comprar uma bicicleta, que dirá ser responsável pela vida de um animal.

No entanto, a história do coelho não desapareceu após algumas semanas, como eu pensei. Levei o assunto para a terapia e concordamos, terapeutas e eu, que ter um animal de estimação por perto seria um bom estímulo; uma fonte de sentimentos e memórias positivas em um momento difícil e sensível, em que tudo que eu fazia era revisitar o passado e pensar em dar fim ao futuro.

Em um momento de fraqueza, concordei com a ideia e Martín não deu espaço a desistências. Logo estávamos no banco de trás de um Uber levando um filhote para casa.

O que os animais significam para nós?

Olívia foi o primeiro animal de estimação com o qual estabeleci um vínculo direto e familiar.

Claro, eu tive minha cota de animais de estimação na infância. Na casa da minha família você podia encontrar toda sorte de bichos: coelhos, porquinhos da índia, periquitos, papagaios, peixes ornamentais, carpas, gatos e cachorros de todas as cores e tamanhos. No entanto, enquanto crescia, nunca me apeguei a ponto de descrevê-los como família.

Certamente não foi fácil me conectar com Olívia no ponto alto do episódio depressivo. Ela fazia xixi na cama, roía os cabos e os móveis e, em vez de escolher o companheiro mais fácil, que seria Martín, optou pelo desafio. Na adolescência, passou a me seguir por toda a casa dia e noite. Foi a insistência do amor e do carinho que ela oferecia o que me levou a desenvolver uma relação de reciprocidade.

O que torna o vínculo humano-animal único

No âmbito científico da questão, tão importante é a relação que mantemos com os animais que o vínculo humano-animal virou, nas últimas décadas, uma área científica que estuda as relações significativas entre pessoas e animais.

Está bem documentado nas áreas da medicina veterinária, da antropologia social e da psicologia que, ao longo da vida, as interações com animais de companhia proporcionam a nós, humanos, uma sensação de apoio social que espelha os laços com outras pessoas.

Por outro lado, embora similar, a relação humano-animal têm características que divergem das dinâmicas complexas das interações humanas e as tornam, portanto, singulares.

Uma dessas singularidades é a percepção que temos dos animais de estimação: os pets são geralmente tidos como uma fonte confiável e não julgadora de companhia, segurança e apoio, especialmente em contextos de situações estressantes ou adversidades. Como resultado disso, tanto crianças como adultos frequentemente ativamente procuram por essas interações. Também há indícios de que o vínculo humano-animal se fortaleça quando as pessoas em questão estão em um “estado de estresse”, o que torna as relações entre humanos e animais particularmente importantes.

Na área da Antropologia Social e Cultural, Érica Pastori (2012) conduziu uma dissertação procurando entender os afetos envolvidos entre animais e tutores e compreender as transformações contemporâneas do lugar social dos animais.

Como ela descreve, está sempre presente na fala dos tutores o valor da relação mantida com o animal:

Há, no discurso dos donos de animais de estimação, a permanente referência ao apego nascido na relação, ao amor transbordante recebido de seus animais e que lhes conecta com algo mais amplo, mais elevado, colocando-os em contato com uma pureza perdida pelos humanos.

Existe toda uma literatura sobre os benefícios dos animais de companhia para a saúde e o bem-estar, como redução da ansiedade e estresse. Já outras pesquisas mostram os efeitos diretos de interagir com um animal de estimação (por exemplo, acariciá-lo) em medidas fisiológicas indicativas de relaxamento, como frequência cardíaca e pressão arterial.

Segundo os interlocutores de Érica, ainda, os animais simplesmente são genuínos e proporcionam um nível de carinho, entusiasmo e amor que não é possível receber de outro membro da família.

Fica evidente, assim, porque Olívia — e posteriormente Floqui, que chegou meses depois — foram importantes no meu tratamento para o episódio depressivo. Elas significaram uma fonte inesgotável de carinho, conhecimento e paciência.

Quase quatro anos depois, posso dizer que os laços que criei com elas são únicos e nunca serão substituídos.

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Dayanne Dockhorn

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