Vinte, vinte e quatro

Dayanne Dockhorn
1 min readMay 11, 2024

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embora eu sempre tenha brincado de ser sereia,
eu nunca imaginei a casa da minha avó debaixo d’água,
eu nunca pensei nos
cristais e nas flores de plástico flutuando junto às
fotografias de nós quatro

embora eu sempre tenha feito barquinhos de papel navegarem
pelo córrego das ruas, eu nunca sequer pensei em
botes passeando pelas praças e em
um cavalo tentando se equilibrar
no telhado

embora eu sempre tenha merecido
a pimenta na ponta da língua,
quando eu disse que a rodoviária precisava de um banho,
eu não quis dizer assim

e embora não seja uma competição,
quando contarem quantas formas de morrer há
nesta cidade, aposto que farão de tudo
para não lembrar desta

e agora nunca mais vou caminhar pelo centro sem esbarrar em alguém,
sem ter meus sapatos sujos de lama e coisas
que não podem ser curadas por simples curativos
como uma poesia

nunca mais vou caminhar pelo centro
ou pela casa da minha avó ou pelas praças
sem algum tipo de lembrete de
vinte, vinte e quatro

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